Desde os primórdios da humanidade, nós já tínhamos o hábito de caçar e nos alimentar da carne dos animais. O consumo de carne é um costume difundido em sociedades no mundo todo, e instiga debates sociais, éticos, econômicos, culturais e mais recentemente, ambientais. A cada dia, mais pesquisas indicam que o consumo exacerbado de carne traz sérios prejuízos ao meio ambiente, vamos entender o porquê disso?
Primeiro, é importante saber que o Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, isso, de acordo com relatório publicado pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC). E no que se refere ao consumo, o brasileiro está na sexta posição mundial. Para tais títulos, o Brasil conta atualmente com maior número de cabeças de gado do que de habitantes, são pouco mais de 215 milhões de habitantes para 224 milhões de cabeças de gado, de acordo com dados do IBGE.
Há duas classificações da pecuária de corte, a extensiva e a intensiva, que tratam do nível de utilização de tecnologia na produção. A extensiva é a mais comum no Brasil, tem por característica um nível tecnológico inferior, baixo investimento e menor preocupação com forragem, já que o rebanho fica solto. No entanto, demanda extensas áreas para pastagem, gerando alguns problemas.
Para as áreas de vegetação nativa serem transformadas em pastagem, geralmente o recurso utilizado para “limpar” é o fogo. A queima da vegetação acarreta a liberação de carbono para atmosfera, pois as árvores ao serem queimadas liberam o carbono que absorveram durante anos por meio da fotossíntese. Não só isso, mas também porque a retirada das árvores faz com que o carbono livre na atmosfera que iria ser absorvido, não seja mais, intensificando o aquecimento global.
As árvores também têm o papel de filtrar poluentes do ar, função essa que deixa de ser desempenhada quando são cortadas, o que ocasiona uma piora na qualidade do ar. Consequentemente, se tem maior poluição atmosférica, dias mais quentes e escassez hídrica, já que a vegetação é a responsável pela manutenção da umidade do ar. Todos esses fatores somados podem causar sérias alterações no regime de chuva da região.
Além disso, as queimadas feitas com o objetivo de criar ou renovar pastagens podem se transformar em intensos incêndios florestais. As principais ocorrências de incêndios na Amazônia, Cerrado e Pantanal ocorreram em virtude disso, segundo órgãos ambientais.
É importante salientar que o solo desempenha um relevante papel na retenção de carbono da atmosfera, que também é afetado pela pecuária. O gado pode causar o pisoteamento e compactação do solo, esses fatores podem provocar erosões, assoreamentos dos cursos d’água e empobrecimento de nutrientes do solo. À medida que o solo é perdido e degradado, ele libera mais carbono na atmosfera e contribui para o aquecimento do planeta.
Contudo, o que mais impacta na questão climática é o enorme volume de gás metano que o gado libera na atmosfera, fruto da fermentação entérica, ou seja, gás envolvido na digestão de seus alimentos e acelerador do aquecimento global. O metano pode ser 25 vezes mais poluente que o dióxido de carbono, e infelizmente, o Brasil é o maior emissor de metano. A produção de carne emite o mesmo volume de gases do efeito estufa que todos os carros, caminhões e aviões do planeta juntos.
Outra problemática de grande relevância é com relação a produção em larga escala de ração para o gado, feita a partir de grãos, como a soja, a fim de suprir as necessidades nutricionais dos animais. Essa produção transforma biomas em monoculturas. Mais da metade de todos os grãos cultivados no mundo destinam-se à alimentação de animais para o abate, o que levanta questões éticas, já que a fome assola milhões de pessoas e grande parte do alimento é destinado à alimentação de animais que provavelmente essas pessoas não irão comer.
Mas nem só de grãos vivem os animais, por isso, a agropecuária é a maior consumidora de água doce do mundo. Além do consumo de água ao longo do crescimento do animal e cultivo da soja, a indústria utiliza muita água nos frigoríficos para a limpeza e resfriamento. Além de provocar a poluição da água, pois parte do estrume acaba indo para os cursos d’água.
Como consequência, muitas comunidades tradicionais e povos indígenas sofrem com a falta ou a poluição dos recursos hídricos, devido à expansão das fronteiras agropecuárias.
Todos os fatores supracitados, impactam negativamente na biodiversidade e podem ocasionar extinções de diversas espécies da fauna e flora, além de favorecerem o desenvolvimento de espécies exóticas, que causam prejuízos ao meio ambiente. O desmatamento e escassez de recursos por si só já são problemáticos, mas somado a eles, há também a caça aos animais silvestres, muitas vezes provocada por pecuaristas temendo prejuízos financeiros.
Na foto abaixo, o fazendeiro matou uma onça-pintada porque essa invadia o seu rebanho, o que obviamente constituiu como um crime ambiental e infelizmente é recorrente.
Os impactos do consumo da carne refletem também na saúde pública. Cada vez mais pesquisas relacionam o consumo de carne, sobretudo processada, com o aumento do número de câncer na população. As carnes processadas são aquelas que passam por alterações de sua aparência e sabor com o intuito de terem sua vida útil aumentada. Nesse processo são adicionadas substâncias com alto potencial cancerígeno, como nitrito e nitrato. Em 2015, a Organização Mundial de Saúde (OMS) adicionou a carne processada a um grupo com 120 substâncias sabidamente cancerígenas.
A carne está muito relacionada também com o aumento do índice de gordura no sangue, contribuindo para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade. O consumo de carne estende-se também à problemática da resistência à antibióticos, promovida pela quantidade de antibióticos que os animais recebem em vida, que contribui para o desenvolvimento de patógenos cada vez mais resistentes, principalmente na pecuária intensiva, onde os animais vivem aglomerados.
Ademais, o consumo de carne expõe o ser humano a doenças, principalmente se referindo à animais silvestres, a própria COVID-19 surgiu a partir do consumo de animais. De acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Agricultura e Alimentação, cerca de 70% das doenças que surgiram a partir da década de 1940, são de origem animal.
Cientistas já alertavam sobre a possibilidade do Brasil ser palco para o surgimento de uma nova pandemia justamente por conta da expansão das fronteiras agropecuárias sobre a Amazônia.
Leia mais em: https://www.minasbioconsultoria.com/post/ser%C3%A1-que-ainda-haver%C3%A3o-mais-pandemias
Como vimos, a questão do consumo de carne é bem conturbada e impactante. E ao contrário do que muita gente acredita, as mudanças de hábito a nível individual são importantes e necessárias, e podem refletir muito no meio ambiente. A pergunta que fica é: será que renunciar ao churrasquinho de domingo é a solução?
Há pessoas que defendem que não existe a necessidade de eliminar por completo a carne do dia a dia e que apenas a redução já é um passo importante para frear os efeitos negativos da carne. Além disso, chamam atenção para a necessidade de um consumo mais crítico e consciente, em que o consumidor busque se informar sobre a carne que compra, exigindo a procedência e qualidade.
Essa exigência por parte do consumidor garantiria ao produtor o controle de uma produção mais responsável, sustentável, atenta ao bem estar animal e dentro dos padrões de qualidade para garantir a certificação. Isso também influencia em acordos que impedem o comércio de produtos ligados a desmatamentos, cabendo aos órgãos competentes a fiscalização sobre a carne.
Outra vertente defende que é essencial que paremos completamente com o consumo de carne também em prol do bem estar animal. É inegável que existem diversos problemas éticos que permeiam a indústria da carne, como condições indignas, confinamento de animais na pecuária intensiva, tratamentos cruéis no abate, exportação de animais vivos, somados a uma fiscalização deficitária.
Essas pessoas que optam por não consumirem carne são chamadas de vegetarianas. Há também os veganos, que são aqueles que abdicam do consumo de todos os produtos de origem animal, desde alimentação, vestimenta, itens de higiene, na medida do possível e praticável. E para tal, existem fortes motivações éticas e a crença de que não é legítimo matar animais enquanto temos outras fontes nutricionais que atendem igualmente as nossas necessidades.
Uma pesquisa de 2018 promovida pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) em parceria com o IBOPE, mostrou que 14% dos brasileiros se consideram vegetarianos. E pesquisas sugerem que o movimento cresce a cada dia. Há também a campanha internacional chamada Segunda Sem Carne, que propõe que as pessoas troquem por um dia da semana a proteína animal pela vegetal para conhecerem novos sabores e se conscientizarem sobre os impactos da carne para o planeta e saúde das pessoas.
Em conclusão, independente da escolha de reduzir ou abolir o consumo de carne, é urgente que comecemos a refletir e a nos conscientizar sobre o assunto, pois a população cresce exponencialmente, ao mesmo tempo que quase um bilhão de pessoas passam fome. É utópico pensar que nosso modelo atual pode ser capaz de sustentar futuras gerações, sobretudo em países com alto consumo e desperdício alimentar, como os EUA e o Canadá.
A pecuária é um dos alicerces econômicos brasileiros e movimenta bastante a nossa economia, mas isso não exclui a necessidade de repensar os nossos modelos de produção, assim como o nosso consumo. Mudanças individuais refletem diretamente em mudanças coletivas e essas podem contribuir para uma distribuição mais humana e racional de alimentos e mudanças positivas para o meio ambiente.
Um estudo realizado pelo Greenpeace indica que a redução de 50% no consumo de carne e derivados até 2050 poderia ser uma das soluções mais eficazes contra o desmatamento e mudanças climáticas.
REFERÊNCIAS:
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Sobre a autora: Suzanne Stefanny Vieira Lopes - Graduanda em Ciências Biológicas/Licenciatura na UFU, ama arte e a natureza em todas as formas de vida, com exceção de dípteros.
Contato: suzanne.minasbio@gmail.com
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