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O EFEITO CONTAGIOSO DO XIXI

  • Foto do escritor: minasbioconsultoria
    minasbioconsultoria
  • 16 de jul.
  • 4 min de leitura

Quem já esteve em um grande festival como o João Rock e o Lollapaloza, ou até uma grande festa universitária como o CIA e o Integra Bixos sabe que o banheiro nunca está tão perto quanto deveria. Entre se espremer pela multidão e encontrar o caminho até o sanitário mais próximo, esse é um daqueles momentos em que, ao ouvir alguém da rodinha dizer “Vou ao banheiro”, algo parece se acender no cérebro.


Você não estava particularmente apertado há dez segundos, mas agora parece que sim. E para evitar uma segunda ida dali a pouco, sozinho, decide ir junto. O curioso é o que acontece em seguida. De repente, outra pessoa do grupo percebe que também precisa ir. E mais outra. No fim, o que era um desvio solitário, se transforma em uma pequena peregrinação coletiva rumo à fila do banheiro químico.


Esse comportamento pode parecer banal e talvez sem qualquer significado aparente, mas pode, também, esconder algo interessante. Muitas vezes, só percebemos nossas próprias necessidades quando alguém ao nosso redor manifesta as dele. Nosso foco estava na música, mas passou para a bexiga. Pequenos gestos, quase imperceptíveis, influenciam nossas decisões de maneira que nem sempre notamos conscientemente. Mas, e se eu te dissesse que esse efeito talvez não seja uma exclusividade nossa? Seria possível que nossos parentes tenham algo parecido com isso?


Um estudo publico em janeiro de 2025 na Current Biology pela pesquisadora Ena Onishi e colaboradores, da Universidade de Kyoto, no Japão, demonstrou que os chimpanzés também são vítimas do efeito contagioso do xixi. Os cientistas analisaram mais de 600 horas de observação em um grupo de 20 chimpanzés em cativeiro algo curioso. Quando um deles urinava, havia uma chance maior de que outro próximo a ele também fizesse a mesma coisa logo em seguida. Um xixi levava a outro xixi.


A grande questão era se essa sincronia urinária acontecia ao acaso ou se seguia um padrão social. Para investigar, os pesquisadores registraram todas as ocorrências de urinação e compararam os dados reais com simulações no computador para comparar os dados reais com um cenário hipotético em que os eventos ocorrem aleatoriamente. O resultado foi evidente, os dados reais confirmaram que os chimpanzés faziam xixi juntos com mais frequência do que nas simulações!


Os pesquisadores se questionaram se esse efeito manada do banheiro dependia ou não da proximidade física. Eles precisam ver o outro fazer xixi para que sintam, eles próprios, a mesma vontade? Para testar essa hipótese, dividiram os chimpanzés em três categorias: os que estavam ao alcance do braço de quem urinou, os que estavam a até três metros e os que estavam ainda mais distantes. O resultado foi claro. Quanto mais perto um chimpanzé estava do outro, maior a probabilidade de ele também urinar logo em seguida.


E tinha mais. Eles também queria saber se essa influência dependia da relação social entre os chimpanzés. Se que amigos próximos contagiavam-se mais do que outros? Ou será que indivíduos mais dominantes tinha mais impacto. A análise estatística das interações demonstrou que o status social tinha um papel um tanto quanto peculiar. Os chimpanzés de menor hierarquia eram mais propensos a “copiar” o xixi dos outros, enquanto os mais dominantes não se deixam influenciar tanto. Interessante, não é?


Embora possa parecer um detalhe insignificante, esse comportamento levanta questões curiosas, profundas, até. Para começar, ele reforça a ideia de que até funções fisiológicas podem ser moldadas e sofrer interferências por interações sociais. Em humanos, por exemplo, estudas já suspeitavam que certos comportamentos – bocejar, rir ou até cruzar os braços – podiam ser contagiantes. Agora sabemos que, pelo menos em chimpanzés, urinar também pode seguir essa mesma lógica. Ainda não temos estudos sobre isso em humanos para podermos confirmar se isso também ocorre conosco, ou se o exemplo que trouxe no início do texto é realmente uma similaridade que dividimos. Até testarmos de fato, só podemos supor.


Mas, afinal, quais seriam as reais implicações práticas disso? Sabemos que nem tudo na evolução precisa ter um motivo, ou apresentar uma vantagem. Algumas coisas são apenas o que são. Não se tornaram desvantagens, então não sofreram impasses pela seleção natural. Nesse caso, no entanto, pode ter sim alguma vantagem. No mundo animal, a sincronização de certos comportamentos pode ser vantajosa. Urinar em grupo, sugeriram os pesquisadores, pode reforçar laços sociais, ajudar no controle territorial ou até ser um sinal inconsciente de preparação para um deslocamento. Afinal, ninguém quer ser o único a precisar parar no meio do caminho!



 


Referência:

ONISHI, E.; BROOKS, J.; INOUE, S.; YAMAMOTO, S.. Socially contagious urination in chimpanzees. Current Biology, v. 35, n. 2, p. R45-R59, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.cub.2024.11.052.

 





Sobre o autor: Marcos Zecchini é graduando em Ciências Biológicas (Bacharelado –

UFU) e tem um fascínio particular pela ecologia comportamental. Atualmente sua linha

de pesquisa foca na percepção de cores em aranhas saltadoras, tentando decifrar alguns

dos mistérios da visão nesses pequenos predadores.


 
 
 

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