A utilização de diversas plantas no tratamento das mais variadas enfermidades é uma prática comum desde os tempos mais remotos, sendo tais conhecimentos culturalmente repassados até os dias atuais. Esse uso é bastante difundido tanto nos saberes populares e tradicionais quanto pela própria indústria farmacêutica, contando com cada vez mais estudos a respeito das propriedades medicinais presentes nas espécies vegetais, que resultaram na descoberta de substâncias hoje conhecidas como fitofármacos.
Fitofármacos x Fitoterápicos
Primeiramente, é importante esclarecer a diferença entre fitofármacos e medicamentos fitoterápicos. São chamadas de fitofármacos as substâncias isoladas e purificadas a partir de matéria-prima vegetal com uso farmacológico e que mantêm sua estrutura química, como por exemplo a morfina. Já os fitoterápicos são medicamentos produzidos a partir de um extrato de determinada planta, como por exemplo comprimidos de extrato de espinheira santa.
Histórico
O uso de produtos naturais para fins medicinais é conhecido desde os primórdios da humanidade. Registros arqueológicos encontrados no Timor (Indonésia), datando de cerca de 13 mil anos a.C., indicavam uso de espécies vegetais psicoativas. Nas Américas, povos pré-colombianos como os Olmecas, Maias e Astecas, são reconhecidos por transmitirem os conhecimentos adquiridos sobre propriedades curativas de espécies a como quina (Chincona sp.) e a coca (Erythroxylum sp.) para as civilizações modernas.
Encontrado no Egito e datado de 1550 a.C., o Papiro de Ebers descreve aplicações médicas de plantas como a maconha (Cannabis sativa), a hena (Lawsonia inermis) e a babosa (Aloe vera). Já na Grécia Antiga, alguns filósofos podem ser destacados por seu papel nas descobertas relacionadas à botânica e a medicina, como Hipócrates, muitas vezes considerado o pai da medicina moderna, e Teofrasto, discípulo de Aristóteles que registrou a utilização da papoila-dormideira (Papaver somniferum), que tem a morfina como seu princípio ativo.
Com o desenvolvimento da ciência e das tecnologias ao longo da história, estudos e pesquisas que buscavam entender como exatamente as plantas agiam contra as enfermidades foram sendo conduzidos. A partir do contato, em grande parte predatório e violento, dos colonizadores com as civilizações indígenas de diversas localidades do mundo, muitos conhecimentos sobre espécies botânicas curativas pertencentes a esses povos acabaram sendo difundidas na Europa.
Graças a isso, diversos avanços importantes foram feitos no campo da farmacêutica. Claude Bernard em 1856, a partir de descobertas e pesquisas realizadas por Schreber em 1783 e Boehm no século XIX, deduziu que as chamadas plantas curare (Strychnos sp. e Chondodendron sp.), utilizadas por indígenas em flechas para caça e pesca, agiam como bloqueador neuromuscular, o que deu início aos estudos sobre a relação entre estrutura química e atividade biológica dos compostos. Já na 2ª Guerra Mundial, tornou-se amplamente reconhecido o uso analgésico da morfina, isolada em 1804 por Armand Séquin do ópio, produzido a partir da papoila-dormideira, graças a invenção da seringa hipodérmica em 1853.
Em termos de história da Farmacologia, a descoberta dos salicilatos obtidos do salgueiro branco (Salix alba) é comumente considerada o marco mais importante no desenvolvimento de fármacos à base de plantas. As propriedades analgésicas da casca dos salgueiros já eram conhecidas desde 1757, graças às observações clínicas do reverendo Edward Stone, mas foi em 1828 que o farmacologista Johann A. Buchner conseguiu isolar uma pequena quantidade de salicina, o princípio ativo presente no salgueiro.
Já em 1960, Hermann Kolbe e seus alunos sintetizaram o ácido salicílico e posteriormente, em 1898, Felix Hofmann descobriu o ácido acetil-salicílico (AAS), que mantém as mesmas propriedades analgésicas do ácido salicílico, sendo menos ácido. A partir da descoberta de Hofmann, motivada pela sensibilidade de seu pai aos efeitos colaterais do salicilato de sódio, levou a Bayer a lançar o AAS no mercado em 1897, sob o nome de Aspirina. Ainda nos dias atuais, após mais de 100 anos de sua descoberta, o composto ainda é alvo de estudos devido às suas atuações como analgésico e antiinflamatório.
Alguns exemplos de fitofármacos
Além da Aspirina e da morfina, existem outros diversos medicamentos sintetizados a partir de fitofármacos, sendo alguns dos mais conhecidos nos dias atuais:
Pilocarpina: extraído das folhas do jaborandi (Pilocarpus microphyllus), a pilocarpina é uma fitofármaco utilizado para o controle da pressão intraocular elevada, mais conhecida como glaucoma.
Digoxina: utilizada em medicamentos para o tratamento de insuficiência cardíaca, taquicardia, fibrilação atrial e arritmias, essa substância foi extraída e isolada da dedaleira grega (Digitalis lanata)
Flavonóide quercetina: isolado da faveira (Dimorphandra sp.), o flavonóide quercetina é comumente empregado no tratamento de varizes e hemorróidas.
Dada a importância dos fitofármacos para a sociedade até os dias de hoje, torna-se evidente o quão necessário se faz a conservação da nossa biodiversidade florística para que, além da garantia da sobrevivência de espécies já conhecidas como fonte dessas substâncias, novos avanços e descobertas possam ser feitos no futuro.
REFERÊNCIAS:
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Sobre a autora: Thamara Eduarda Mineiro - Graduanda em Ciências Biológicas/Bacharelado na UFU, apaixonada por natureza, música e animes
Contato: thamara.minasbio@gmail.com
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