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A Ejaculação Feminina: Entre Fisiologia, Tabu e Descoberta Científica

  • Foto do escritor: minasbioconsultoria
    minasbioconsultoria
  • 8 de out.
  • 4 min de leitura

A ejaculação feminina tem sido, ao longo da história, um dos fenômenos mais controversos e menos compreendidos da sexualidade humana. Por décadas, foi tratada como mito, anomalia ou mesmo como sinal de disfunção, sendo muitas vezes confundida com episódios de incontinência urinária. No entanto, estudos científicos recentes vêm consolidando uma nova compreensão sobre o tema, demonstrando que a ejaculação feminina é um evento fisiológico autêntico, resultante de respostas glandulares específicas e de complexos mecanismos neurológicos e emocionais.



A revisão de Rodriguez et al. (2021) é um marco nessa retomada científica. Os autores reuniram mais de um século de estudos para evidenciar que as glândulas de Skene, situadas na parede anterior da uretra feminina, são as responsáveis pela secreção de um fluido esbranquiçado, quimicamente semelhante à secreção prostática masculina. Essa semelhança bioquímica se deve à presença de antígeno prostático específico (PSA) e fosfatase ácida prostática (PAP) — enzimas tradicionalmente associadas à próstata. O achado levou muitos pesquisadores a classificarem essas glândulas como uma “próstata feminina”.Uma curiosidade interessante é que, por muito tempo, anatomistas negaram a existência dessas glândulas, simplesmente por não as identificarem como estruturas distintas durante dissecações — uma invisibilidade científica influenciada por paradigmas androcêntricos.



Enquanto a ejaculação feminina é caracterizada pela liberação de pequenas quantidades de fluido glandular, o fenômeno conhecido como squirting despertou ainda mais debate. Pastor et al. (2022) demonstraram que os dois eventos, embora possam ocorrer simultaneamente, têm naturezas diferentes. O squirting envolve a ejeção de grandes volumes de líquido claro, cuja composição contém ureia e creatinina, indicando origem urinária. Já a ejaculação propriamente dita é resultante da secreção das glândulas periuretrais. Essa distinção é essencial para compreender que nem toda emissão de fluido durante o orgasmo feminino é urinária, desmontando mitos e preconceitos arraigados até mesmo na medicina.


Um dos grandes avanços recentes na área vem dos estudos populacionais. Påfs et al. (2024) realizaram uma pesquisa ampla com mais de 1.500 mulheres adultas e constataram que cerca de 58% das participantes relataram já ter vivenciado ejaculação feminina ou squirting. O dado é relevante por demonstrar que o fenômeno é muito mais comum do que se imaginava, sendo frequentemente silenciado por vergonha ou falta de informação. Outra curiosidade é que mulheres com maior satisfação sexual e melhor comunicação com seus parceiros apresentaram maior propensão a relatar o fenômeno, sugerindo uma ligação entre liberdade sexual e expressão fisiológica.


Complementando essa visão empírica, o estudo de Hensel et al. (2024) investigou o aspecto emocional e psicológico da experiência. Das mais de 1.200 mulheres entrevistadas, quase metade relatou squirting em algum momento de sua vida. A maioria descreveu o episódio como prazeroso e libertador, enquanto uma minoria associou o evento a constrangimento, em virtude de tabus culturais. O estudo chama atenção para o fato de que a educação sexual, tanto em escolas quanto em ambientes clínicos, ainda ignora o tema, perpetuando desinformação e vergonha em torno da resposta sexual feminina.


A leitura conjunta desses estudos revela que a ejaculação feminina é um fenômeno multifatorial, envolvendo não apenas mecanismos anatômicos e hormonais, mas também aspectos emocionais, culturais e simbólicos. Ainda que a ciência já tenha identificado suas bases fisiológicas, a resistência cultural e a falta de educação sexual adequada continuam sendo barreiras à sua compreensão. Entender o corpo feminino em toda sua complexidade é um ato de ciência, mas também de emancipação.


Do ponto de vista clínico, reconhecer a ejaculação feminina como parte natural da resposta sexual é fundamental para o atendimento ginecológico e sexológico. Muitos casos de “incontinência coital” relatados em consultórios podem, na verdade, corresponder a squirting ou ejaculação verdadeira. Compreender essa diferença é essencial para evitar diagnósticos equivocados e reforçar uma abordagem mais humanizada da sexualidade.

Em suma, os avanços da última década consolidam o entendimento de que a ejaculação feminina é uma resposta fisiológica legítima, com variabilidade individual e influência de fatores psicológicos e culturais. O corpo feminino, antes silenciado pela moral e pela medicina, revela agora sua complexidade biológica e simbólica — um lembrete de que o prazer, longe de ser mero instinto, é também uma forma de autoconhecimento e liberdade.

 

 



REFERENCIAS:

RODRIGUEZ, C. J. et al. Female ejaculation: An update on anatomy, history, and controversies. International Journal of Impotence Research, v. 33, n. 4, p. 342–350, 2021. DOI: 10.1038/s41443-020-00365-3.


PASTOR, Z.; CHMEL, R.; BILGUTAY, N. Female ejaculation and squirting as similar but completely different phenomena. Sexual Medicine Reviews, v. 10, n. 1, p. 75–85, 2022. DOI: 10.1016/j.sxmr.2021.06.002.


PÅFS, J. et al. Prevalence and experience of female ejaculation and squirting among adult women. Journal of Sexual Medicine, v. 21, n. 2, p. 145–158, 2024. DOI: 10.1093/jsxmed/qda005.


HENSEL, D. J. et al. Vaginal squirting: Experiences, discoveries, and correlates. Journal of Sex Research, v. 61, n. 3, p. 212–225, 2024. DOI: 10.1080/00224499.2023.2290576.





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Sobre a autora: Maria Vitória Ferreira Oliveira. Graduanda em Ciências Biológicas – Licenciatura, gosta dos temas biodiversidade, saúde, e ervas medicinais.


 
 
 

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