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Uma Planta Pode Enxergar?

  • Foto do escritor: minasbioconsultoria
    minasbioconsultoria
  • há 4 minutos
  • 5 min de leitura

Por séculos imaginamos as árvores como símbolos de permanência. Suas raízes afundam no solo, suas copas se erguem ao céu, imóveis, enquanto o mundo ao redor se transforma. É quase como se fossem alheias ao próprio mundo, pouco responsivas e inertes ao ambiente. Não poderíamos estar mais errados. No livro A Vida Secreta das Árvores, o engenheiro florestal alemão Peter Wohlleben reúne retratos envolventes sobre as interações entre as árvores, nos convidando a refletir e questionar nossas convicções rígidas sobre o mundo das plantas [1].


Longe de serem apenas agrupamentos de árvores, as florestas são verdadeiras comunidades interconectadas, em que indivíduos compartilham nutrientes por meio de redes subterrâneas de fungos e enviam alertas químicos pelo ar diante de ameaças. O cheiro característico da grama recém-cortada, por exemplo, não é apenas um efeito colateral do corte, mas um sinal de alerta liberado pelas plantas para advertir vizinhas sobre o perigo iminente que, em resposta, emitem substâncias para se precaver da herbivoria. 


Embora Wohlleben seja frequentemente criticado por seu antropomorfismo exagerado e por utilizar uma abordagem teleológica [2], sua obra foi fundamental para popularizar a ideia de que as plantas possuem formas sofisticadas de percepção e resposta ao ambiente. Recentemente, uma descoberta científica parece saída diretamente de um de seus capítulos: uma planta que pode enxergar?


Em setembro de 2024, uma pesquisa conduza por um americano e um brasileiro ganhou destaque mundial ao ser premiada no tradicional IgNobel [3], um prêmio que celebra descobertas científicas que, à primeira vista, parecem cômicas ou inusitadas, mas que trazem contribuições importantes para o conhecimento científico. O estudo em questão abordou uma habilidade enigmática e contraintuitiva do mundo das plantas, o mimetismo da trepadeira Boquila trifoliolata [4]


Encontrada nas florestas temperadas do sul do Chile, essa planta trepadeira é capaz de imitar folhas de espécies vizinhas, replicando não apenas sua forma e cor, mas também outros detalhes como as nervuras e texturas. O mimetismo dela foi descrito pela primeira vez em 2014, quando os chilenos Gianoli e Carrasco-Urra demonstraram que a planta era capaz de copiar características de diversos hospedeiros [5]. 


Inicialmente, eles sugeriram que ela poderia detectar compostos voláteis emitidos pelas folhas vizinhas ou que poderia ocorrer uma transferência horizontal de genes por meio de micróbios transportados pelo ar, alterando a estrutura genética de B. trifoliolata. Entretanto, essas explicações foram muito especulatórias e não eram suficientes para justificar a precisão observada no mimetismo. Foi nesse contexto que o americano Jacob White e o brasileiro Felipe Yamashita, em 2022, propuseram uma hipótese audaciosa para explicar como ela fazia isso: e se a planta B. trifoliolata fosse capaz de “enxergar” suas vizinhas, e então copiar o que viu? [4] 


Na verdade, apesar de parecer uma hipótese um pouco esquisita, a ideia de uma visão rudimentar nas plantas não é nova, e foi proposta inicialmente pelo botânico alemão Gottlieb Haberlandt, em 1905, quando sugeriu que certas células epidérmicas poderiam funcionar como lentes, concentrando a luz em células subepidérmicas sensíveis, de forma bem similar aos océlios encontrados em alguns organismos unicelulares. Essa teoria foi posteriormente reforçada por Francis Darwin, terceiro filho de Charles Darwin, que também acreditava que as plantas poderiam possuir uma forma primitiva de percepção visual. Mas, como testar algo assim?

White e Yamashita tiveram uma ideia simples, mas sensacional para testar isso. Eles colocaram essas trepadeiras em contato apenas com uma planta artificial de plástico – que não poderia emitir compostos voláteis e nem transferir micróbios transportados pelo ar. 


Então, sem qualquer emissão de substâncias químicas, as folhas de B. trifoliolata começaram a imitar as características das folhas plásticas. Eles conseguiram observar que as folhas miméticas apresentaram mudanças significativas em sua morfologia: tornaram-se mais longas, com bordas suavizadas e suas redes vasculares ficaram menos densas. Ao realizar medições nessas alterações, foi possível indicar que o fator de forma dessas folhas imitadoras se assemelhava ao das folhas artificias, sugerindo que o mimetismo estava sendo guiado por estímulos visuais, e não químicos. 


Os dois pesquisadores ainda observaram que ao longo tempo a precisão do mimetismo dessa planta melhorava. As folhas mais jovens mostravam uma capacidade aprimorada de imitar as folhas plásticas, sugerindo a existência de um processo de “aprendizado” na planta. 


Uma descoberta fascinante foi a análise das redes vasculares das folhas imitadoras. Em comparação com as folhas normais, as folhas miméticas apresentavam menos veios livres e uma vascularização menos complexa. Essa simplificação morfológica pode estar relacionada a alterações na biossíntese de auxina, um hormônio vegetal que regula o desenvolvimento e o crescimento das folhas. Esses achados reforçam a ideia de que essas plantas ajustam seu crescimento com base nas informações sensoriais que captam do ambiente. 


Como todo curioso questionaria, qual seria a vantagem evolutiva disso? A explicação proposta por eles é que essa estratégia protege essas trepadeiras contra potenciais herbívoros. Ao imitar as folhas de suas vizinhas, ela se camufla, e torna-se menos visível e menos suscetível à predação. Além disso, a flexibilidade de imitar diferentes espécies permite que a planta se adapte a uma variedade de ambientes e condições. 


Apesar de que essa habilidade possa parecer exclusiva dessa planta trepadeira, a ideia de que plantas podem "enxergar" abre um novo campo de pesquisa na botânica. Se B. trifoliolata pode perceber e responder a estímulos visuais, é possível que outras plantas também possuam habilidades semelhantes. Qual seria, então, o limite da percepção sensorial nas plantas? 


Esse estudo nos lembra que, mesmo no aparente silencioso reino das plantas, há uma riqueza de interações sensoriais que ainda desconhecemos. O que teria sido apenas um estudo inusitado, pode na verdade ser um ponto de partida para uma nova linha de pesquisa. O que vemos não deixa de nos surpreender. Aos poucos, percebemos que nossos preconceitos limitam nossa percepção, e que nossa imagem intuitiva do mundo é fragmentada e incompleta. O mundo segue se transformando diante de nossos olhos, conforme aprendemos a enxergá-lo melhor.





[1.] WOHLLEBEN, P. The hidden life of trees: What they feel, how they communicate—Discoveries from a secret world. Vancouver: Greystone Books, 2016.

[2.] KINGSLAND, S. E. Facts or fairy tales? Peter Wohlleben and the hidden life of trees. Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, 2018.

[3.] G1. IgNobel 2024: cientistas que estudaram lambidas de pedras e cérebros de pessoas que falam de trás para frente vencem ‘prêmio do absurdo’. G1, 13 set. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia/noticia/2024/09/13/ignobel-2024.ghtml. Acesso em: 2 mar. 2025.

[4.] WHITE, J.; YAMASHITA, F. Boquila trifoliolata mimics leaves of an artificial plastic host plant. Plant Signaling & Behavior, v. 17, n. 1, p. e1977530, 2022.

[5.] 8GIANOLI, E.; CARRASCO-URRA, F. Leaf Mimicry in a Climbing Plant Protects against Herbivory. Current Biology, v. 24, n. 9, p. 984-987, 2014.





 


Sobre o autor: Marcos Zecchini é graduando em Ciências Biológicas (Bacharelado –

UFU) e tem um fascínio particular pela ecologia comportamental. Atualmente sua linha

de pesquisa foca na percepção de cores em aranhas saltadoras, tentando decifrar alguns

dos mistérios da visão nesses pequenos predadores.


 
 
 

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